Poesia Vadia de 26-01-08
«A poesia é o espelho da cultura de cada país e nela se reflectem os estados de alma, anseios e aspirações... tudo o que diz respeito ao mais íntimo das pessoas, dos povos e da humanidade... que seja dita e cantada, que sirva para conectar para além do espaço das ideologias e dos sistemas, porque A POESIA É, FUNDAMENTALMENTE, UM ESPAÇO DE LIBERDADE.»
Durante a sessão de "Poesia Vadia" de Janeiro. Casa do Algarve (em Almada), 26-01-08.
Durante a sessão de "Poesia Vadia" na Casa do Algarve (Almada) no sábado passado.
Durante a sessão de "Poesia Vadia" realizada no pssado dia 26/01/2008 nas instalações da Casa do Algarve, em Almada.
1 - Idalina Rebelo (Anyana); 2 - Idalina e Rosette Coelho; 3 e 4 - Ofélia, durante a sessão de "Poesia Vadia", na Casa do Algarve (em Almada), no dia 26/01/2008.
1 - António Afonso; 2 - Henrique Mota; 3 - Gabriel; 4 - Rosette Coelho, durante a sessão de "Poesia Vadia", na Casa do Algarve, em 26/01/2008.
Foto-reportagem, de Luís Bayó Veiga.
Poemas 1: Espécie de círculo, por Helena Peixinho.
Poemas 2: Poema em construção, por José Nogueira Pardal.
Poemas 3: Um ponto escuro, por Alexandre Castanheira.
Poemas 4: Acontece, por Ermelinda Toscano.
Poemas 5: Redondo e triste, por Francisco Naia.
Poemas 6: Num voo de garça, por Gertrudes Novais.
Poemas 7: Coisas, por Fernando Rebelo.
Poemas 8: Tóxica a palavra, por António Boieiro.
Poemas 9: O triste silêncio que ficou, por Bárbara Vale-Frias.
Poemas 10: Depois da raiva, por Tozé.
AGRADECIMENTO:
À Câmara Municipal de Almada, em particular ao Sr. Vereador do Pelouro da Cultura, Dr. António Matos, e ao Director da Biblioteca Municipal Romeu Correia, Dr. Armando Correia, o nosso muito obrigado por nos terem possibilitado realizar mais esta iniciativa num espaço emblemático da nossa cidade como é a Sala Pablo Neruda.
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“triste pedra”
que sabes tu do
meu corpo que é
triste pedra
ardente sílaba
barro ou merda
que sabes tu
se em mim a palavra
morre ou nasce
remo como quem rema
canto como quem cante espalhe.
Sessão de poesia A Palavra e o Seu Corpo (poema e fotografia: Isidoro Augusto).
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tóxica a palavra
da salvação é
intrusa errática atmosférica
castradora ameaça
sanguínea fogueira
um verdadeiro muro.
a importância da luz
uma vez mais aqui
se registava
aos lábios agora
a palavra
lúcia irmã lúcia.
“como se a morte tivesse de ser obrigatoriamente frágil e fácil”
e a meu lado caminhava um
anjo
em mim dependurado
como um apêndice
triste e cabisbaixo
mas não deixava de ser um
anjo
como aqueles que nos guardam
e aguardam
ali estava ele sem pressas
num gesto brusco a naifa
soltara-se assim como a raiva
e o susto
dois vocábulos sempre juntos
em reles preces
arcaicos pela madrugada
vadios na circunstância
mas apesar de tudo
limpos e
na espera se juntam
como duas putas
conhecedores do mesmo ofício.
Sessão de poesia A Palavra e o Seu Corpo (poema e fotografia: Isidoro Augusto).
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pode uma palavra ainda por
nascer
provocar o toque
desagradável
das coisas
pútridas ou
chegar ao rio e
afogar-se num
voo de garça
pela manhã
assim se entrelaçam na
vaga espera de
uma doce e
literária sinestesia.
“depois se verá”
dantes era o inverno
a fonte
onde as mais fortes
emoções
por mim passavam
como um rio molhando
a sábia terra
ávida e prenhe de cheiros
e sabores primeiros
agora me basta o verão
o mesmo que
floresce e
frutifica a figueira
que de branca cal
pinta o
átrio da
velha
igreja
que devolve ainda
o doce e protegido voo da
cegonha.
“enquanto o seu olhar”
enquanto o seu olhar perdido
navega na história
acrescenta pesadas e vagarosas
palavras
deixadas para trás neste campo
de batalha
haja quem diga na sua voz
despida
continuamos por aqui
esquecidos.
Sessão de poesia A Palavra e o Seu Corpo (poema e fotografia: Isidoro Augusto).
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chegou assim
redondo e triste
como o lamento
o músico
o navio
as mãos ficavam-lhe em silêncio
atentos
os ouvidos esses
ao cantar do galo
pela madrugada
enquanto as lágrimas de uma estranha
infância
o alegram e desafiam
lá longe de tão perto
agora na distância
o cheiro intenso
de uma açorda
mais os coentros
e beldroegas
o caiar do adro
a torre sineira
o bater de asas
de uma cegonha
o chiar do carro
que leva os cântaros
à fonte
que leva os cântaros
à água
o mel de abelhas
o monte
o brilho intensoda palavra.
“à palavra”
apetece-me voltar à terra assim
como quem volta ao
doce acordar da
água
logo pela manhã o
verde encanto de
um
sorriso
junto aos lábios a
casa
onde o sabor
maduro de
romãs
lembra o
auge ponto de
um verão
em que a cal agora
abraça o
chegar surpreso da
velha
sombra
tão velha quanto o
limoeiro
onde o namoro agita
uma mão sobre o tronco
enquanto a outra explora os
flancos adocicados da
alva luz que
em jorro se
lança quente à
terra
à palavra
como semente.
“onde”
a palavra era vasta e
por vezes não cabia nas
alvoradas do grande sonho
ali onde
aprendi a amar a
terra e a criar laços com
as pessoas
há quem desenvolva o
conceito da
continua ocupação do
espaço por
exemplo a
vinha instalara-se em
extenso no
meu querido Alentejo
a espiga dos trigais e
as ceifeiras no campo assim
desapareciam para dar
lugar ao
progresso e
ao vasto pousio
melhor dizendo ao
abandono
mas que distância é esta que
vai do prazer do
risco até à ousadia formal
sublinhe-se aqui continuamente
nesta espera onde
à falta de ideias se
morre.
Sessão de poesia A Palavra e o Seu Corpo (poema: Isidoro Augusto; quadro: Luís Miguel).
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“um santo”
acreditem
nunca tinha pintado
um santo
as palavras assim saem
de mim
destroçadas
rasgadas
abertas
agora entendo o rosto
como um todo
do corpo
esquartejado ou
inteiro
tanto faz
quase sempre em
silêncio
parto.
Sessão de poesia A Palavra e o Seu Corpo (poema e fotografia: Isidoro Augusto).
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ele há uma certa avidez
pelo absoluto
quando tudo é tão relativo
será este o caminho
que ao divino anseio
a todos nos leva.
Sessão de poesia A Palavra e o Seu Corpo (poema e fotografia: Isidoro Augusto).
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há uma espécie de círculo
que se nos atravessa
esse mesmo movimento
que parece nunca acabar
é o de uma deriva
o de uma geográfica
viagem
negasse e
assim potenciasse o
desejo
de formar imagens
e com elas
preencher o vazio
há que vos lembrar
das remissões
espectaculares
ou dos pontos de suspensão presentes
entre cada conjunto de palavras
são esses instantes
que nos são oferecidos
por subtis deslocamentos
desta bela linguagem
que é a
poesia.
que caminho é este
que nos atira assim
inusitadamente
para o silêncio
quando tudo nos indica
o extremo ruído
sem um propósito evidente
há quem adopte a máscara
de um desses seres
"je est un autre"
num espaço sem nome
nem identidade
mas sempre com uma
criança ao lado
ao que se supõe ser
sua filha mãe ou irmã
revestindo sempre uma alteridade
tudo se conjuga
para a tentativa de traduzir
o mundo estranho
que cada um traz
dentro de si
tudo isto eu sinto
que é puro ruído.
a sensação do provisório
relaciona-se igualmente com
a impossibilidade de se
distinguir
é a dúvida instaurada
que surge como o elemento
motriz
desta ocupação
não lhes vejo por isso
nenhuma lógica de
resistência
afinal minimalista e plasmática
fora a antiga posição
atravessando e unindo
sem dor
há que encontrar algo que
acentue essa permanente evasão
sugerida a cada passo por
esta abstracta proposta.
Sessão de poesia A Palavra e o Seu Corpo (poema: Isidoro Augusto; quadro: Luís Miguel).
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